Desde a separação meus pais sempre disputaram a guarda dos filhos. O pior é que todos nós tínhamos certeza que nenhum deles queria ficar com a gente, apenas queriam brigar. Quando o vulcão explodiu, num episódio que não sai da minha cabeça, lembro bem que minha tia Roseli nos colocou no carro dela, parou lá em casa e pegou todas as nossas roupas que estavam para lavar e seguimos para Santa Cruz do Escalvado, uma cidade da Zona da Mata, terra do meu pai. Lá ficamos por cerca de um mês, até que o juiz pediu para nos chamar.
Todos foram bem claros ao dizer que tudo que falássemos ali no Fórum ficaria em sigilo, mas pouco depois minha mãe chegou em prantos dizendo que éramos traidores. O escrivão se lembrou de digitar todos os nossos medos, mas afirmou que apenas uma filha havia dito que a amava. Contamos à eles que tínhamos medo de morar com minha mãe que, quase todos os dias tinha crises profundas, enrolava a língua, ficava roxa e com os pés gelados, parecia que ia morrer.
A sorte é que tínhamos uma vizinha que era enfermeira e sempre nos ajudava. Às vezes chegávamos da escola e ela estava caída debaixo da mesa, parecendo um defunto. Também tínhamos receio de morar com o meu pai, que nunca nos deu carinho de verdade (é o que eu pensava, hoje sei que o carinho dele era puxar a orelha...rs). Ele achava que dando dinheiro tudo mais estava resolvido.
Meu pai e minha mãe receberam os textos impressos com parte do que havíamos confidenciado. A família da minha mãe se virou contra nós. Cheguei a receber uma ligação de uma tia dizendo que eu havia ameaçado minha mãe de morte - como? Um turbilhão de coisas acontecia a cada minuto em nossas vidas, nas vidas de cinco adolescentes.
De camburão
Estávamos morando com minha avó paterna quando apareceram dois oficiais de justiça dizendo que era para irmos com ele até a casa da minha mãe. Não deixei que meus avós, já muito velhinhos, os atendessem. Eu mesma fui até o portão e falei que não iríamos. Ele chamou reforço - um camburão. O advogado do meu pai estava viajando e o colega dele disse que teríamos de ir. A sorte foi que minha tia chegou e só aceitou nossa retirada da casa da minha avó se fosse no carro dela. Seguimos para a casa da minha mãe onde passamos por dias muito difíceis. Obs.: minha tia sempre estava presente nos momentos mais difíceis.
De casa em casa, dias amargos
Era muito sofrimento. Minha mãe largou a escolinha e a academia que tinha e só não passou fome por causa da ajuda dos parentes e vizinhos. Lembro do semblante triste a amargo dela, de quem foi traída por uma jovem, de 19 anos, que ela trouxe da roça, deu comida, casa e chances dela estudar. Sei que durante anos ficamos de casa em casa. Uma época com minha mãe, depois com a avó de novo, a tia Roseli e depois com o meu pai. Tínhamos mais contato com a família paterna.
Quando estávamos na casa da minha avó e minha mãe ia nos visitar era muito difícil. Encontrávamos na pracinha, na rua de cima. Lembro que ela chegava com um lenço no pescoço, muita olheira, os olhos roxos de tanto chorar e a boca torta - sinal que ela estava prestes a se sentir mal. Na casa da minha avó, as três meninas maiores dividiam uma cama de casal, a Roberta dormia num colchonete no chão e o Beto no outro quarto.
Na casa da tia Roseli as meninas dormiam no chão da sala e o Beto no quarto. Ela e o tio Alaor eram os nossos segundos pais, em quem confiávamos acima de tudo. Um belo dia descobrimos que eles já estavam separados, apesar de dividirem a mesma casa - foi o fim do mundo, mas superamos e continuamos unidos.
Com a nova mulher do meu pai
Meu pai já morava com a nova mulher e nos obrigou a ir com ele. Nunca aceitei em dividir a mesma casa com uma pessoa com quem não conversava. Minha irmãzinha já tinha nascido e meu coração ainda estava duro. Eu a conheci com um mês de vida. Também passamos por momentos muito difíceis nesta casa. A cena se repetia e, mais uma vez, era constante a presença da polícia para separar as brigas do casal. Até que eles se separaram e ficou mais difícil ter contato com a Raissa e o Rodrigo (ainda bebê).
Polícia, mais uma vez
A ex do meu pai se mudou com as crianças para a cidade dela, Abre Campo. Um dia fui com meu pai até lá, entrei na casa que não tinha portão e me deparei com uma das cenas mais trites que já vi. Os meninos ficaram loucos ao me ver, mas não puderam me tocar. Ela trancou as portas e janelas e, dos vidros, eles me viam e, chorando muito, pediam para que eu fosse buscá-los.
A Raissa ainda nem sabia contar, mas eu disse à ela: 'Quando você contar até mil eu volto para te buscar'. Em prantos, eu deixei a casa. Meu pai me levava para tomar água num bar quando policiais nos pararam. Ela havia chamado a polícia para mim. Os militares entenderam a situação e tentaram pedir a mulher para que nós pudéssemos ver os meninos na presença dos pms, mas nem assim foi possível.
Olá Regiane, sou colega sua, também jornalista da Rádio Inconfidência, inclusive sob a "batuta" do mestre Getúlio Neuremberg. Conheço você da TV, e vi seu post no Twitter falando sobre depressão. Resolvi entrar no blog e ler sua história. Depois de acompanhar extasiada seu registro, eu escrevo para te dar os parabéns por ter se tornado a jornalista profissional que é. Uma vida muito difícil, como realmente a gente vê em filmes de drama. Passei por algumas situações muito ruins na infância, até a separação dos meus pais, mas nada como você. Hoje tenho um filho, que tento preservar ao máximo e a razão da minha vida. Você tem de se orgulhar pela sua coragem em ter continuado e não ter se entregado à infelicidade. Um exemplo para muitos e que merce muito respeito!!!
ResponderExcluirSe quiser mandar alguma coisa para o Getulio, meu e-mail é linarocha@inconfidencia.com.br.
abraços